Declaração de Canela

l Congresso Holístico Panamericano

III Congresso Holístico Brasileiro

Declaração de Canela

Este fim de século se distingue por um estado de comoção e de despertar.

 

Por um lado, somos testemunhas da crise acelerada do meio ambiente, do apogeu da pobreza, da fome em grande escala e o paroxismo bélico de etnias e credos intolerantes. Por outro, ocorrem tentativas crescentes de convivência fraterna, iniciativas de responsabilidade ecológica, estudos avançados sobre direitos humanos e construção da paz, valorização e atualização das tradições indígenas, experiências intensas de espiritualidade e ecumenismo, crescentes convergências disciplinares nas fronteiras da ciência, uma fertilização mútua entre ciência e tradições culturais e espirituais. Hoje se multiplicam as ondas expansivas de uma visão holística de um mundo melhor, focalizado no potencial mais elevado da nossa espécie.

 

Depois da Segunda Guerra Mundial, um grupo de cientistas e filósofos, espantado ante o poder que a tecnologia libertou das profundidades do átomo, conclamou a humanidade a mudar sua forma de pensar, como o único meio de possibilitar a sobrevivência.

Agora, quase meio século depois, um grupo de pessoas de diferentes faixas etárias, profissões e sistemas de valores e crenças, encontrou-se em CANELA, uma pequena cidade do sul do Brasil, com o propósito de expressar suas ansiedades e preocupações sobre a situação atual do planeta.

Encontrando suporte uns nos outros, celebraram a vida a despeito dos problemas ambientais, sociais e econômicos que os afligem. 

Havia crianças que através de músicas, danças e jogos expressaram sua necessidade de amor, de esperança e compreensão. Manifestaram sua solidariedade para com aquelas outras crianças que vivem em lares de triste solidão.

Havia filósofos interessados em apoiar as ciências e as tecnologias com uma visão terapêutica do mundo.

Havia educadores procurando transformar suas salas de aula, de espaços onde a informação incita à aquisição e ao consumo, em lugares onde os estudantes sejam encorajados a se tornarem mestres da sua própria saúde física, mental, emocional e espiritual.

Havia artistas e poetas que enriqueciam as metáforas científicas resultantes do nosso cérebro com outras, que nascem de nosso coração e de nossas relações interpessoais.

Havia cientistas e engenheiros que almejam conhecer cada vez mais, entretanto buscam uma sabedoria capaz de utilizar apenas aquele conhecimento que propicie uma vida mais plena e menos ameaçadora.

Havia homens e mulheres de negócios interessados em mudar o caráter competitivo e hierárquico de suas funções para assim compartilhar responsabilidades, criatividade e crescimento. Os empregados, então, deixam de ser vistos como meros recursos e passam a ser considerados como indivíduos em constante desenvolvimento, co-criadores e beneficiários de bem-estar e riquezas   O trabalho, nesse contexto, se transforma   em   instrumento   de   auto-realização,   onde   todos   exercem   o   direito   de   manifestar, equitativamente, o seu potencial.

Havia teólogos, cujas novas leituras das tradições clamam por um resgate do espírito na experiência humana.

Havia psicólogos e médicos cujo propósito é ajudar as pessoas a harmonizar suas necessidades naturais com os requerimentos da sociedade, aprendendo a proteger-se de ambiente físicos contaminados e papéis sociais doentios.

Havia economistas. Eles afirmam que o fluxo de dinheiro nas nossas sociedades deveria ser gerado pela produção de bens e serviços que satisfaçam as necessidades humanas e não pela especulação financeira e a indústria bélica. Estes economistas pensam também que o número de seres humanos e a produção total de bens e serviços devem respeitar os limites da natureza e fazer um bom uso das oportunidades apresentadas por ela.

Os participantes do l Congresso Holístico Panamericano e do III Congresso Holístico Brasileiro solicitam aos organismos internacionais, governamentais e não-governamentais, que promovam o processo de transformação, não apenas da maneira como pensamos e administramos nossas vidas, lares, economias e sociedades, mas também do modo como sentimos o mundo, o modo como nos comunicamos com o espiritual e nos relacionamos uns com os outros e com a natureza.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas poderia garantir a paz e os direitos humanos aliviando as nações do mundo do fardo de sustentar exércitos.                                                                      

A UNESCO poderia propiciar uma transformação cultural que leve do confronto à fraternidade e ao respeito pela diversidade dos povos.

Caberia ainda lembrar a Carta Universal dos Direitos Humanos onde são reconhecidos os direitos e liberdades intrínsecos de cada habitante do planeta Esta nova etapa requer que cada indivíduo reconheça a sua responsabilidade universal por viver em paz consigo mesmo, com a família humana e com a natureza.

Os participantes do Encontro de Canela oferecem aos organismos internacionais governamentais e não-governamentais, uma visão e uma ética holística.

A VISÃO HOLÍSTICA

Esta visão confirma as antropologias as mais tradicionais e as pesquisas científicas – as mais recentes – propondo uma imagem do ser humano não egocêntrica e não antropocêntrica. O bem estar do ser humano depende e participa do bem-estar da Terra e de todas as criaturas vivas Este bem-estar também depende da expansão da consciência humana para abarcar tanto a informação quanto a transcendência. As conseqüências éticas e as aplicações concretas de uma tal antropo-cosmo-ontologia são inúmeras no domínio da economia, da vida social e cotidiana, da educação, da relação homem-natureza, das práticas religiosas, da vida política, da saúde e em outros campos.

A abordagem holística do real tende assim a desenvolver riqueza, conhecimento e potencialidade, mas também a qualidade da condição humana.

É um movimento de evolução existencial e essencial

Reconhecendo a homogeneidade e a heterogeneidade dos fenômenos, a abordagem holística do real propõe um equilíbrio que ao mesmo tempo os confirme e os ultrapasse Isto implica uma transcendência do monismo e do dualismo com o potencial, que ambos têm, de gerar estruturas totalitárias e reducionistas É uma transcendência de formas de unidade regressiva e não-diferenciada que provocam confusão É, também, transcendência de dualidades agressivas e de individualismos estreitos que provocam separativismo, confronto e fragmentação.

A visão holística abrange uniformidade e dualismo e transcende ambos através do amor do conhecimento. Esta visão recomenda não separar o que a vida une constantemente, e não misturar o que a vida diferencia continuamente.  

A rejeição à confusão e à separação é uma característica intrínseca da visão holística.

A ÉTICA HOLÍSTICA

Inspirando-se, sobretudo, nos valores de preservação da vida, alegria, cooperação, amor e serviço, criatividade, sabedoria e transcendência, traduzidos por ações efetivas agrupadas abaixo nas categorias de inteireza, inclusividade e plenitude, postulamos os seguintes princípios éticos adotados pela Universidade Holística Internacional de Brasília.

 

 

l – INTEIREZA     

 

Princípio 1. Estar atento à utilização da terminologia holística (do grego Holos: inteiro), levando em conta que o novo paradigma considera cada evento como sendo uma parte e um reflexo do todo, conforme a metáfora do holograma É uma visão na qual o todo-e-as-partes estão sinergicamente em inter-relações dinâmicas, constantes e paradoxais.

 

Princípio 2. Cultivar discernimento, tolerância, respeito, alegria, simplicidade e clareza nos encontros entre representantes das Ciências, Filosofias, Artes e Tradições Culturais e Espirituais necessárias para a abordagem transdisciplinar em equipe.

 

Princípio 3. Focalizar com abertura e exame crítico a complementariedade e a contradição na consideração do relativo e do absoluto, da via quantitativa e da qualitativa, a serviço da vida, do homem e da evolução.

 

II – INCLUSIVIDADE

 

Principio 4. Respeitar a fonte comum das Ciências, Filosofias, Artes e Tradições Espirituais, ao mesmo tempo que a singularidade destas

 

Princípio 5. Reconhecer e respeitar cada ser e cada cultura como manifestações da realidade plena.

 

Princípio 6. Levar em consideração o fato de que o produto de toda criatividade não tem, em última instância, nenhum proprietário, respeitando contudo os autores individuais e coletivos.

 

III – PLENITUDE

 

Princípio 7. Ser solidário com o outro na satisfação de suas necessidades de sobrevivência e de transcendência.

 

Princípio 8. Colaborar com o outro na preservação do bem comum e na convivência harmoniosa com a natureza.

 

Princípio 9.     Buscar um ideal de sabedoria indissociada da dimensão do amor e do serviço.

 

Como um signo de um novo tempo, onde a promessa da semente cede espaço à fragrância do fruto; como emblema de uma contagiosa solidariedade onde o sonho de plenitude, sabedoria e justiça se converte em mãos dadas e vontades amigas, surge um canto de amizade com a natureza, um hino de convivência com a criatura humana em transe traumático de evolução, e um compromisso consciente para a criação coletiva da sociedade futura. Sem necessidade de heróis nem monopólios da verdade, uma dança transparente de invenção onde o amor é a mãe de todas as transformações.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *